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Depois de 17 horas de secagem a erva-mate já estava sendo degustada ali mesmo, na fonte, direto do carijo. A lenha atribui um sabor peculiar, a erva fica um pouco defumada, mais sapecada pelo processo artesanal e isso é bem marcante, principalmente para aqueles que vivenciam o processo todo. O ritual consiste em construir o carijo, fazer a poda, o fogo, o sapeco, a ronda durante toda a madrugada de secagem da planta, o cancheamento – ou fragmentação dos galhos, o soque – ou moagem e, por fim, a degustação do mate.

Cerca de 50 pessoas oriundas de São Leopoldo, Novo Hamburgo, Campo Bom, Sapiranga, Rolante, Antônio Prado, Muitos Capões, Panambi e da capital gaúcha participaram da carijada na Lomba Grande durante o final de semana. Dentre elas, estudantes de agronomia da UFRGS e produtores agroecológicos e agroflorestais motivados em conhecer a prática do carijo.

A vivência coletiva e acampamento ocorreram no Quilombo, no organismo agrícola do Erno Bühler, na zona rural de Novo Hamburgo, bairro Lomba Grande. Sábado teve atividades de reconhecimento da planta e aprendizagem sobre todo o processo. Noite de cuidado com o fogo e a erva que ficou secando na estrutura do carijo. Durante a ronda noturna teve uma roda cultural com apresentação do músico Zé Martins, do grupo Unamérica.

No domingo os participantes carregaram o carijo com a erva até o outro lado do campo de futebol onde estava a máquina de soque. “Foi uma aventura. Nunca tinha visto um carijo itinerante”, comentou Gustavo Türck, integrante do Coletivo Catarse – responsável pelo projeto Carijo que culminou com a produção do “Carijo, o filme”, além de livro, cartilha e diversos eventos para a multiplicação destas culturas indígenas mbyá-guarani e kaingang.

O biólogo Moisés da Luz, que veio de Panambi para repassar seus saberes na arte do carijo, vem fazendo retomadas desta cultura indígena desde 2005 e formando multiplicadores no processo de fabricação artesanal de erva-mate (Ilex paraguariensis). Para sua dissertação de mestrado “Carijos e Barbaquás no Rio Grande do Sul: resistência camponesa e conservação ambiental no âmbito da fabricação artesanal de erva-mate”, pesquisou24 experiências no RS de carijos, barbacuás e assemelhados. “A retomada dos carijos proporciona a autonomia de produzir a própria erva para o chimarrão, com sabor original e novos e ancestrais sentidos em nossa vida”, comenta.

“A vivência em si acaba sendo uma mística, as pessoas dormem no local, a tradição é iniciar a secagem no final da tarde, momento de celebração, adentrar a noite madrugada adentro, com outras sensações e percepções, observar a lua e as estrelas. Outra potência que o carijo possibilita é este contato com o fogo, a fumaça e a comunhão em torno da bebida,” salienta o mestre.

“Essa experiência que tivemos juntos foi mágica, foi revigorante, muito especial. Quando sai do acampamento, me senti um alienígena em nosso próprio planeta, senti que meu mundo era outro”, disse o produtor Fábio Junges.

A carijada no Vale do Sinos foi promovida pelo Araçá – Grupo de Consumo Responsável, com parceria de Agrofloresta Garupá, Produtos Biocêntricos e Circular Alimentos e apoio do Coletivo Catarse, do organismo agrícola da Família Bühler e do Banco de Tempo Lomba Grande.

A erva-mate processada neste carijo foi colhida na sexta-feira por três produtores. Susi Grings em Dois Irmãos; Mozar Dietrisch em Santa Maria do Herval e Fábio Dias em Sapiranga.

A origem do chimarrão

A erva-mate é uma árvore que habita o Brasil, Argentina, e Paraguai. O seu habitat nativo são as florestas, tais como a Floresta com Araucária (que contém o pinheiro-brasileiro) e a Floresta Estacional, que acompanha os rios Paraguai, Paraná, Uruguai e seus afluentes. A origem do uso da erva-mate se deve aos povos indígenas dessa região, entre eles os Guarani e os Kaingang. A palavra mate tem origem quéchua, a qual os espanhóis pegaram emprestado para denominar o recipiente (cuia), o conjunto do chimarrão ou a própria bebida. Já o termo chimarrão provém do termo espanhol cimarón, que quer dizer selvagem, amargo, sem dono, bravo.

Cátia Cylene
Jornalista

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